sábado, 16 de março de 2013

A ordem sagrada do cristal magico







Era uma vez, há muitos anos atrás, um mendigo.

Ele estava andando pela rua e encontrou uma bolinha de gude. Ele olhou pra ela e pensou “que sorte, encontrei uma bolinha de gude inteira, sem um risco”.

O mendigo pegou a bolinha pra si, e a guardou no bolso.

Um belo dia, o mesmo mendigo estava passeando desatento pelas ruas da cidade, pensando em como faria pra arrumar uns trocados, quando de repente ele ouviu alguém gritar:

- Pega ladrão!

Na mesma hora ele se abaixou. Tentou se esconder atrás de um carro, pensando “droga me encontraram”, quando então percebeu que não era com ele. Um homem vinha correndo na direção dele a toda velocidade, e atrás dele vinha uma senhora.

“Não tenho nada a ver com isso, vou embora daqui”, pensou o mendigo, e foi saindo de fininho, mas quando ele se levantou pra ir embora a bolinha de gude escorregou do seu bolso, e foi rolando pela rua bem na frente do ladrão que vinha correndo.

O ladrão escorregou, e caiu de costas no chão desmaiado.

O mendigo, que tinha percebido que sua bolinha havia escapado, já estava em cima do ladrão, procurando por ela. Aquela senhora, dona da bolsa que o ladrão havia roubado chegou bem na hora em que o mendigo achava sua bolinha.

- Sua bolsa está aí senhora – Disse o mendigo. – Eu só quero a minha bolinha.

- Obrigada, obrigada, muito obrigada – repetia a senhora ao mendigo, várias vezes. – Esse mendigo salvou minha bolsa! – gritava ela. O mendigo já meio incomodado agradeceu e foi se retirando.

Algum tempo se passou. O mendigo estava juntando uns pedaços de jornal pra dormir embaixo do viaduto, quando escuta ao lado dele um outro mendigo, bem mais velho do que ele, dizendo:

- Ora vejam só, se não é o dono da bola de gude mágica!

- Bola de gude mágica? - retrucou desconfiado, já enfiando a mão no bolso para verificar sua tão querida bolinha de gude.

Ele tinha começado a sentir um apreço muito forte por ela.

- Sim, sim leia! – disse o velho. Ele tinha uma barba cinzenta que ia até o umbigo, e olhos que piscavam sem parar. Pegou do lixo um pedaço de jornal velho onde tinha uma matéria que dizia:

“BOLINHA DA SORTE SALVA BOLSA DE SENHORA”, com a data do dia seguinte ao ocorrido. Ao que tudo indica alguém havia narrado o fato a um jornalista que achou por bem publicar a história no jornal do bairro.

- Essa matéria não tá dizendo que ela é mágica. – Observou o mendigo.

- Sim, meu caro, mas uma bola de gude com essas propriedades salvadoras só pode ser magica! – Insistiu o velho.

- Tá, tá bom, que seja - disse o mendigo, e pensou “esse velho deve ter fugido do manicômio”.

Na manhã seguinte, o mendigo resolveu mudar para outro viaduto, e quando estava se retirando percebeu que o velho estava vindo junto com ele.- Aonde você vai dono da bola mágica? - perguntou o velho. - Não te interessa - retrucou o mendigo.

- Ei, eu sei de um lugar bom pra nós, venha! – o velho insistiu.

Nessa hora, o mendigo pensou em mandar o velho arrumar outra pessoa pra atormentar. Mas ele conhecia esse tipo de gente. Sabia que o velho ia ficar atrás dele, até encontrar alguma coisa melhor pra fazer. Acabou por aceitar a insistência do velho, em arrumar um lugar pra ele ficar.

Seguiram então pelas ruas da cidade, o mendigo e o velho.

- Vai demorar muito? - perguntou o mendigo.

- Já estamos chegando, é logo ali depois daquela favela. - Disse o velho.

De repente, dois favelados que estavam parados numa das ruas da favela observaram os dois mendigos caminhando, e resolveram mexer com eles.

- Ei mendigos, estão indo pra onde? – disseram os favelados.

- Não interessa. - Retrucou o mendigo.

- Estamos indo para nosso território. - disse o velho.

“Esse velho já caducou faz tempo”, pensou o mendigo. Que história era aquele de nosso território?

- Que território? - perguntaram os favelados.

- Se vocês querem saber, vão ter que nos acompanhar. - disse o velho.

Como não tinham nada pra fazer, os dois favelados começaram a seguir o mendigo e o velho pelas ruas da cidade.

De repente, uma viatura policial aborda o grupo, e o policial pergunta:

- Esse grupinho não tá pensando em fazer besteira né! Na mesma hora os dois favelados - que provavelmente estavam devendo alguma coisa - começaram a suar frio.

- Ei, que nervoso é esse? - perguntou um dos policiais, suspeitando da cara dos favelados.

Percebendo que o clima estava esquentando, o mendigo tentou amenizar:

- Seu guarda, estamos só de passagem, não vamos arrumar problemas.

De repente, um dos policiais diz:

- Ei, eu conheço você, li uma matéria no jornal, sobre sua bola de gude, você é gente boa! Podem seguir aí, e não se metam em encrencas!

Dizendo isso, os policiais foram embora.

Os dois favelados olharam para o mendigo e disseram:

- Cara que sorte você estar com a gente, se não fosse por isso, a essa altura nós já estaríamos em cana. A partir de agora você pode contar com a gente para o que precisar!

- Eu te disse que essa bola de gude é mágica. - disse o velho com um brilho místico no olhar.

“Ai meu Deus... nunca mais vou me livrar desse velho”, pensou o mendigo.

Tudo o que ele queria era sossego e agora tinha uma turma de seguidores devotos da sua bolinha de gude.

Enquanto ainda estava pensando numa forma de se livrar dessa dor de cabeça um grupo de cinco mendigos se aproximou.

- Como vocês fizeram pra se livrar daquela viatura tão facilmente? Nós acabamos de levar uma geral bem dolorida! - Nós estamos com o portador da bola de gude da sorte - disse um dos favelados.

- Da sorte não - respondeu o velho - bola de gude mágica!

- Como assim? - perguntou um dos cinco.

Foi preciso mais de uma hora para explicar aos cinco mendigos toda a história, já com os aumentos místicos do velho, e os aumentos devotos dos dois favelados. As tentativas do mendigo de explicar a natureza real das situações eram constantemente ignoradas.

Sem pensar duas vezes, os cinco mendigos se juntaram ao grupo que agora já se tornava um bando.



“Onde isso vai parar?” o mendigo se perguntava.

Alguns séculos se passaram. Estamos no ano de 2599.

O Magistrado Supremo toma seu lugar no centro do salão oval do mega templo, com espaço para mais de 200 mil pessoas.

- Queridos irmãos e irmãs, da Ordem Sagrada do Cristal Mágico. Estamos aqui para celebrar e relembrar.

- Há mais de 600 anos, nosso primeiro grande Magistrado Supremo, Mehn Dy Gho, recebia a santa revelação do Cristal Mágico.

- Revelação essa que mudou profundamente sua vida, e por isso mesmo ele nos deixou escritas suas cartas sagradas, para que eu e você pudéssemos também crer no poder do Cristal Mágico.

- Iremos agora dar início a nossa solenidade repetindo os Mandamentos do Cristal.

- Se esses mandamentos forem seguidos, irão nos garantir um lugar na Ordem Espiritual do Cristal, que nos aguarda na próxima vida.

- Há concordância com essa palavra?

E todos repetiram: Sim, concordamos!

- Prossigamos então - continuou o Magistrado, lendo em voz alta os mandamentos:

- Primeiro Mandamento: Todo aquele que se desviar do caminho do Cristal Mágico estará condenado a escuridão eterna.

- Segundo Mandamento: Não teremos piedade daqueles que cometem delitos. Todos serão julgados e sentenciados, em nossos corações e com nossos atos.

- Terceiro Mandamento: Colocaremos nossa estrutura e nossa instituição acima do bem-estar das pessoas. Pessoas não são importantes, o que é importante é manter a Ordem Sagrada do Cristal Mágico.

- Quarto Mandamento: Nossos valores e princípios serão sempre negociáveis. Não podemos trazer problemas para nossa estrutura ou causar prejuízos para pessoas importantes por uma questão supérflua como valores e princípios.

- Quinto Mandamento: Os fins sempre justificam os meios.

- Sexto Mandamento: Jamais se questionará a palavra do Magistrado Supremo. Não importa o que ele diga, a palavra dele sempre representará a revelação do Cristal Mágico. Questionar a palavra do Magistrado é rebelião e leva à escuridão eterna.

- Sétimo Mandamento: A maneira mais fácil de esconder seu próprio erro, é evidenciando com vigor os erros daquele que está ao seu lado.

- Oitavo Mandamento: Com a nossa boca pregaremos a humildade, mas sabemos que o verdadeiro poder está na superioridade, então sempre iremos nos considerar superiores aos outros.

- Nono Mandamento: Para manter funcionando essa estrutura que nós mesmos criamos, precisamos criar leis espirituais para convencer as pessoas a darem dinheiro.

- Décimo Mandamento: Viveremos e agiremos sempre para engrandecer a nossa estrutura, pois o mundo lá fora é mau e perverso, e de fora das nossas portas nada pode vir de bom.

Dizendo o dez mandamentos do cristal mágico, o magistrado supremo finaliza sua narrativa perguntando:

- Há concordância?

E todos repetiram:

- Sim, concordamos!

E assim o Magistrado Supremo da Ordem Sagrada do Cristal Mágico dava início a mais uma solenidade.

O fato triste era que aquele pobre mendigo, que havia vivido há 600 anos, jamais imaginou e muito menos planejou que sua bolinha de gude um dia seria chamada de Cristal Mágico, e que ele seria lembrado como um profeta espiritual.

O bom e velho mendigo só queria sossego.


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