sábado, 17 de agosto de 2013

Papel A4



Estava perambulando sem rumo naquele dia quente. Andava absorto em meus pensamentos, rumava como um morto-vivo pelas caóticas ruas do Centro, não sei o que pensava só sei que andava em outra realidade.
Mas fui puxado de volta para essa dimensão quando virei a esquina e sobre incansável turba vi o velho letreiro, o branco amarelado e o vermelho desbotado, apertei o passo e caminhei em linha reta na direção do estabelecimento, senti uma enorme excitação a cada passo que dava, mas essa excitação foi substituída por surpresa ao mesmo tempo em que me via espantado, no meio da enferrujada porta verde, pregada com durex e escrita às pressas com um canetão preto próximo do fim, uma folha A4 que dizia “Passo esse ponto”, perdi um pouco do equilíbrio, um pouco por causa do calor húmido que me cozinhava por baixo da roupa, mas tenho certeza que grande parte foi por desgosto de ver aquelas porta abaixada.
Por anos e anos toda vez que virava aquela esquina, eu vislumbrava de longe o “Sebo do Amadeu”. Lembro-me do cheiro da poeira acumulada nas prateleiras, o barulho que as paginas amareladas de seus livros faziam, o sorriso que o velho Amadeu fazia toda vez que via um rapaz em sua loja. Embora fosse uma velha loja em uma esquina abandonada no Centro de BH, aquele lugar sempre tornava a ida ao Centro em algo especial, toda vez que eu atravessava o arco de tijolos velhos sentia  na hora a mudança da atmosfera, do caos à calmaria, era como transpor um portal dimensional que me levava para outra realidade, realidade de luzes fracas e cantos frescos. Que lugar! Todas as vezes que pegava um livro sentia o coração palpitar, e perguntava para mim mesmo, “Para onde esse vai me levar?” e a satisfação. Ah! Que coisa boa! Quando fechava o livro satisfeito, e o novo dilema “E agora, qual vou ler?”.
Mas todos esses momentos e sensações foram encerrados por uma folha A4 pregada na porta, todas as tardes que passava por entre as prateleiras à procura de boas histórias, sem preocupações ou obrigações, todos esses momentos foram encaixotados e trancafiados naquela folha A4.
Virei-me e caminhei para longe, não suportava mais ficar ali, não suportava mais os berros e empurrões com mentes ignorantes que não percebiam a tragédia que se sucedera naquela esquina, naquele quente dia. Vi-me andando novamente sem rumo, sem ideias para pensar, sem preocupações para me atrapalhar, apenas andei, andei para longe daquele papel ordinário.
Exageradas minhas palavras? Sim, tão exageradas quanto às bruscas guinadas de nossas vidas, quanto às etapas que se encerram quanto os objetos e locais que chegam ao fim porque já compraram seu papel nesse período que chamamos de vida. A realidade é que o Amadeu fechou porque sua missão já havia sido cumprida, já havia marcado pessoas e criado gerações, agora é a vez de outra livraria, maior e melhor, sem poeira, sem tijolos velhos, e talvez até a algumas quadras dali, uma lance novas ideias, sonhos, mas que acima de tudo, marque a vida de pessoas, como o Sebo do Amadeu marcou a minha.







Plínio Rezende

2 comentários:

  1. Passando para conhecer o blog e já aproveitando para parabenizar pela lindo texto. Continue escrevendo assim que vc leva muito jeito.

    Estou seguindo seu blog para acompanhar as atualizações e sempre que puder fazer uma visita.
    Abraços

    http://reaprendendoaartedaleitura.blogspot.com.br/

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  2. Excelente texto! Parabéns...


    Abraços, Isabela
    www.universodosleitores.com

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