quinta-feira, 20 de junho de 2013

Kimera




  O vento soprava abafado, aquela estava sendo uma noite conturbada, era horário de pico e as principais avenidas estavam abarrotadas de carro que cuspiam densas baforadas de poluição, no estreito beco uma criatura disforme, com músculos pontudos que se projetavam de suas costas como, a cada dentada que dava espirrava sangue no chão, uma mulher, próxima dos trinta anos, cabelos loiros, a lateral de seu tronco estava completamente roída, suas costelas que se projetavam para fora da carne ainda exibia pedaços de músculos. A criatura arrancava grandes nacos, seus longos dentes cravaram na barriga da mulher e arrancou todos os músculos da barriga, assim que puxou a carne o intestino grosso saiu junto, esguichando o sangue que escorria pelos dentes e queixo da criatura.


  Parou de devorar a moça assim que ouviu o “click” do cão da arma descendo fazendo o tambor girar, o monstro largou a carcaça da moça e tentou se esconder em uma da varias caixas de madeira que se empilhavam nos cantos do beco. No lado oposto de onde estava a criatura, um homem bloqueava a passagem do beco, usava uma jaqueta de couro negro, na mão trazia uma pistola colt de ação simples, conhecida como pacificador, seu rosto fora coberto pelas sombras, na rua atrás abarrotada de carros, que buzinavam irritantemente, e pessoas que passavam sem dar a mínima para o que acontecia no beco.

  -O que você quer? –O monstro tentou disfarçar o medo, ele tentava esconder seu monstruoso rosto, nas brumas que fugiam de um bueiro a poucos passos de onde estava.

  -Vim cumprir a minha obrigação e manda-lo de volta para sua casa. –O estranho soou grave e seco, seu tom foi ríspido.

  -Como poderiam nem eu sei... –Antes de terminar a frase o estranho disparou, a esfera de chumbo perfurou o ombro da criatura. –Malditos caçadores! –Do ombro ferido da criatura surgiu uma espécie de espinho, um musculo pontudo eu se projetou para fora de sua carne, excretando a bala para fora de seu corpo, e regenerando instantaneamente o ferimento, assim que a metamorfose terminou a criatura saltou sobre uma escada de incêndio e trepando de grade em grade chegou à cobertura do pequeno prédio.

  O estranho escondeu a arma no cós, atrás das costas, e subiu as escadas o mais rápido que pode. A estranha criatura corria desengonçadamente por entre as antenas, era uma maça rosa, com vários tentáculos, como o que surgiu em seu ombro após ser ferido, orelhas enormes, suas pernas finas não aguentavam todo o peso do tronco, porque sua estrutura não foi feita para perambular no mundo físico, isso fazia seu corpo inteiro balangar seu um lado para o outro atrapalhando sua locomoção.

  O caçador subiu e uma caixa d’água sacou a arma e com a mira traçou uma possível trajeto usado pelo monstro e esperou, assim que um dos tentáculos entrou em seu campo de visão ele disparou. A combustão gerada pela pólvora fez a bala perfurar as costas do monstro e interrompendo sua fuga, a força da bala o projetou alguns centímetros fazendo-o se chocar com as costas de uma pequena gárgula feita de granito, outro disparo soou e um mais um profundo ferimento se abriu na perna da criatura.

  -HAAAAAAA! Infernos! –o monstro berrou o mais alto que pode, o caçador se aproximou rapidamente, os ferimentos da perna da criatura ainda não começaram a se regenerar. –Piedade! Eu imploro! –o monstro desesperou deixando escapar de seus enormes globos oculares lagrimas escuras e oleosas.

 -Teve piedade das vidas que devorou?

 -Pode não acreditar, mas cada uma delas me pesou a mente.

 -Prometeu que iria parar né, é sinto o mesmo toda vez que acendo um cigarro. –Ao perceber que os ferimentos da perna começavam a se regenerar, o homem deu um forte chute no ferimento, fazendo o bico da bota adentrar alguns centímetros na carne do monstro.

 -HAAAAAAAAAAAA! É verdade... Não era para mim estar aqui, antes eu era uma simples criatura que devorava sonhos.

  -Que bonito assassino também tem histórias né, Você tem um cigarro para contar a sua. –Ele sacou uma carteira de Malboro e com os lábios pescou um cigarro. –Depois vou fazer seus miolos estourarem.

  No topo do prédio a fraca luz noturna iluminava o queixo do homem, seu queixo era quadrado coberto por uma barba rala, a sobrancelhas eram grossas, os cabelos negros eram curtos, seus olhos pequenos e escuros. Ele ascendeu o cigarro e tragou a fumaça, manteve o pacificador apontado na direção da disforme cabeça da criatura.

  -Muitas criança me chamavam de bicho-papão, nominho escroto viu. Se não fossem aqueles maconheiros adoradores do Satã, me atraíram através de um ritual e me forçaram-me trouxeram para esse mundo... -Seus ferimentos latejavam, de seus longos e curvos dentes, escorriam gorssas linhas de baba. –Ao contrario de você não existe uma vida pós a morte para mim... Ai! Eu estava morrendo por falta de energia, simplesmente estava deixando de existir, por isso devorei a todos , a carne humana me forneceu energia, mas não por muito tempo, por isso tive que comer de novo e de novo, até me habituar, como para viver, mas não sinto prazer com isso, piedade cara! –Com dificuldade o monstro se pôs de joelhos ou foi isso o que tentou fazer, mas não conseguiu graças às pernas feridas. –Me deixe ir. –Ele olhou com o canto do olho para o ferimento na perna, que ainda doía, mas começava a se fechar.

  O caçador deu mais um trago no cigarro.

  -Existem outros como você. –Em vez de fitar os negros olhos do monstro ele olhou para as nuvens de poluição que cobriam o céu noturno, lá em baixo na avenida as buzinas dos carros não davam trégua. –Onde eles vivem, e todos saem à luz do luar?

  -Vivemos nas trevas, em becos e buracos imundos, lugares que apenas almas atormentadas frequentam. –Finalmente a regeneração do ferimento estava completa , o monstro deu um impulso para frente, não se importava mais com a arma apontada par a sua cabeça, estava com fome precisava comer o mais rápido o possível, saltou na direção do rosto do caçador que no susto disparou mais uma vez, a bala estouro a mandíbula da criatura deixando-a pendurada em um tendão e esguichando muito sangue.

  Tomado pela adrenalina e reflexo o caçador desferiu um forte chute no peito da criatura fazendo-a tombar, a mandíbula pendurada bateu com força no chão, o monstro tentou berrar, mas engasgou em seu próprio sangue, ela se remexia no chão feito um inseto à beira da morte.

  O caçador deu mais um trago, a lua iluminou seus negros olhos, ao ver a criatura se contorcer seu estomago embrulhava, sentia um grande asco ao ver as contorções e berros da besta caída a sua frente.

  -Eu devia abandona-lo há sua própria má sorte. –o caçador abaixou o cão do pacificador fazendo o tambor girar e colocar a ultima bala dentro da agulha. A criatura se remexeu agonizante, aos poucos sua mandíbula se regenerava, sentia uma dor excruciante por causa da fome, precisava comer o mais rápido o possível ou teria o mais trágico fim. –Mas o único monstro aqui é você. –Deu um rápido trago e jogou longe a guimba longe, apontou a Colt para a estranha e tosca cabeça da fera e puxou o gatilho, segundos antes da bala estourar-lhe os miolos o monstro deu um ultimo berro de suplica, a bala atravessou sua testa e varou o outro lado da cabeça, junto com a bala saiu sangue e uma estranha massa visceral de coloração verde e extremamente fétida.

  O caçador sacou mais um cigarro, deu dois longos tragos, reduzindo o cigarro a uma pequena guimba, olhou para o céu, como se conseguisse ver as estrelas além das densas nuvens de CO2 , fitou o monstro morto a sua frente, deu um ultimo trago e o jogou no corpo caído a sua frente.

  -Amanhã eu paro com isso. –Guardou o pacificador na cintura e se virou, sua intenção era voltar à escada de incêndio, mas conteve-se assim que ouviu um gemido, um monstruoso e disforme agouro, virou-se para trás, seus olhos viram a fera saltar furioso sobre ele. –Merda! –Tentou correr na direção oposta, mas foi interrompido pelo corpo da criatura que caiu pesadamente em cima dele.

  -Suplique! Quero que suplique antes que eu devore sua vida, seu filho da puta! –Longas garras fincaram no ombro do caçador prendendo-o de uma forma dolorosa no chão de concreto.

  O bafo pútrido inundou as narinas do caçador, os dentes longos e curvos vieram em sua direção, ele viu em um “Flash”, o porquê e as escolhas que o levara até ali, um sorriso se formou em seu rosto e ao ver a enorme bocarra que estava quase devorando sua cabeça começou a dar gargalhadas estridentes e insanas, fechou os olhos e esperou seu destino, mas os planos do destino eram outros, a vida a ser ceifada naquela noite não era a sua.

  O monstro devorador para se manter vivo devorava pessoas, algo na carne humana preservava seus níveis de energia corporal, que eram gastos com muita velocidade, já que esse mondo não era seu habitat natural, por isso quando estava quase fincando seus dentes no crânio de sua vitima seus olhos começaram a excretar um aquoso sangue verde, já era tarde, estava fadado a perecer, seus músculos começaram a inchar. Percebendo seu fim ele gritou, ou pelo menos era isso que pretendia, mas assim que abriu a boca seu corpo inteiro inchou instantaneamente e como em uma combustão explodiu, lançando músculos e vísceras para todos os lados, encharcando o caçador por completo.

  -Droga! Que nojo, odeio quando esses merdas fazem isso. –Arrancou as garras pressas em seus ombros e se levantou com dificuldade. –Pelo menos agora vou tirar meses de férias. –Tirou do bolço novamente a carteira de cigarro e puxou um com a boca, mas o bastonete estava empapado com o asqueroso liquido verde. –Ah! –Jogou a carteira fora. –Melhor eu parar de vez com isso. –Virou-se e caminhou em direção à escada. –Já faço muitas coisas que podem me matar.




Plínio Rezende 











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