Depois de muito tempo, na verdad foi preguiça mesmo, trago a vocês meus caros a segunda parte dessa maravilhosa jornada criada por Daniel Rossi.
Plínio Rezende
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Tinha
limpado os últimos 20 dólares de sua conta bancária para pagar um táxi para o
centro da cidade. Não queria arriscar amassar o melhor terno que tinha dentro
de um ônibus abarrotado de gente.
Nem fazia
ideia de como iria embora para casa, pois nem dinheiro para o ônibus havia lhe
restado. Poderia pedir emprestado algum para Arthur, se tivesse a sorte de
encontrá-lo na empresa.
O que
importava é que agora estava sentado no elegante saguão do 13º andar de um
proeminente edifício comercial, aguardando pela tão esperada entrevista que
poderia lhe dar um emprego novo e uma nova perspectiva. Estava ansioso e
preocupado em passar uma boa impressão. Levantou-se e perguntou a recepcionista
onde era o banheiro. Ela era uma ruiva sensacional que não tirava os olhos dele
desde que ele havia chegado. Indicou-lhe uma porta no final de um corredor. Até
então não havia percebido como ela o engolia com o olhar. Não que ele não
levasse jeito com as mulheres, muito pelo contrário. Era um negro de quase um
metro e noventa de altura, porte atlético e olhos verdes que arrancavam
suspiros. A cabeça raspada dava um ar de jovialidade aos seus trinta e três
anos. Porém, com a vida que vinha levando, tinha deixado de lado até a
azaração, pois não lhe sobrava muita coisa do salário para gastar em baladas.
Dirigiu-se até o banheiro, onde para sua surpresa não havia espelhos. Percebeu
pelas marcas na parede que os mesmos haviam sido arrancados há pouco tempo.
Como já estava ali mesmo, passou uma água no rosto e se arrumou o melhor que
pode no reflexo de um toalheiro de metal.
Voltou pelo
corredor e perguntou despretensiosamente para a recepcionista o que havia
acontecido com os espelhos. Ela pareceu se divertir muito com a pergunta, como
se ele tivesse perguntado alguma coisa absurda. Respondeu que eles haviam sido
levados para manutenção. A ruiva começou a lhe dar um frio na espinha, e
preferiu calar-se e voltar a sentar-se na poltrona. Ficaria ali por mais alguns
minutos saciando os olhares da ruiva, até que o telefone na mesa dela tocou.
- A
senhorita Rogers vai atendê-lo agora Sr. Kirkman. – Fez uma menção com a cabeça para que ele a
acompanhasse.
Seguiram por
um corredor até uma porta que tinha o nome de Samantha na porta. A ruiva abriu
a porta para ele e entrou no escritório mais elegante que já tinha visto na
vida.
Havia
estantes com livros enormes, que pareciam ter muitos anos de idade e serem
caríssimos. Os móveis eram todos de aparência clássica, e a iluminação indireta
da sala dava um ar todo especial ao ambiente. Achou-a até um pouco escura
demais, porém muito aconchegante.
No fundo do
escritório, atrás de uma enorme mesa estava Samantha Rogers, a mulher com que
havia conversado ao telefone. Era uma morena extremamente atraente, assim como
a recepcionista. Ela lhe estendeu um aperto de mão firme como ele não
experimentava há muito tempo. Sentiu a pele sedosa e fria em sua mão. Estava
realmente gelado ali, provavelmente por causa do ar condicionado.
Ela pediu
que se sentasse e ficasse a vontade. Sentiu-se a vontade, mas uma coisa em
particular o despertou certa desconfiança. Apesar de toda a postura de
executiva em seu tailleur e a maquiagem carregada, vista de perto e com
atenção, não aparentava ter mais do que dezesseis ou dezessete anos. Aquilo o
intrigou, mas não estava ali para questionar a idade de sua contratante.
- O seu
currículo é impressionante. – ela começou a conversa.
- Eu não me
lembro de ter enviado um, na verdade… – absolutamente nunca havia enviado nada para
a empresa. O único contato que havia tido havia sido o telefonema misterioso
pouco depois de mexer com o “cartão de visitas mágico”.
- Pode ficar
tranquilo Sr. Kirkman. Nós sabemos tudo sobre você e devo dizer, ficamos muito impressionados. – Ela percebera que ele havia ficado
desconfortável. - Deixe-me explicar para o senhor sobre a
natureza dos negócios de nossa firma. Nós atendemos um tipo muito restrito de
cliente Sr. Kirkman. São pessoas que acumularam fortunas enormes durante as
suas… Vidas. – Ela
enfatizou estranhamente a palavra vida. - Porém, estes mesmos clientes necessitam,
eventualmente, desaparecer. Nosso trabalho é fazer com que seus bens continuem lhes
pertencendo, mesmo depois que eles sumam de vista e retornem. Faz parte do
nosso trabalho, também, providenciar-lhes novas identidades. Existe também toda
a questão logística, mas essa é bem menos interessante… – ela sorriu para ele.
Kirkman
estava atônito. Com que tipo de gente estaria se envolvendo? Seriam mafiosos?
Estava com medo.
- Com todo o
respeito, Srta. Rogers, mas não me parece que a natureza dos negócios de sua
firma seja lícita. – escolheu as palavras com cuidado. Tinha a impressão que a
qualquer momento um russo ou italiano entraria na sala com uma arma para
matá-lo. A executiva franziu o cenho, porém sem deixar o ar jovial de lado.
- Posso lhe
garantir que não há nada de ilícito em nossos negócios. Bem, pelo
menos não no sentido que o senhor está imaginando. A necessidade de nossos clientes
por uma nova identidade nada tem a ver com crimes, de qualquer natureza.
Digamos que certo aspecto referente à longevidade de nossos clientes poderia
despertar… Como direi… Questionamentos na sociedade. – abriu uma gaveta da enorme mesa de madeira
nobre e retirou o que parecia ser um álbum de fotos antigas. Ela o colocou
sobre a mesa e o empurrou na direção dele.
- Talvez
isto lhe ajude a entender melhor…
Albert pegou
o álbum sobre a mesa e o abriu. A princípio, tratava-se apenas de uma
xilogravura de uma família que parecia ter vivido na época vitoriana. Porém,
quando começou a folhear as outras páginas, começou a perceber o que de fato
acontecia. A mesma foto de família se repetia pelo que parecia ser décadas. Às
vezes com um membro a menos, às vezes com um membro novo. Porém, praticamente
não havia diferenças entre a família vitoriana com uma em uma foto dos anos
setenta, por exemplo. A semelhança não era simplesmente de indivíduos da mesma
família: eram as mesmas pessoas, vivas durante o que seriam centenas de anos.
- Isto é impossível… – balbuciou incrédulo.
- Realmente é Sr. Kirkman? – ela o observava com um olhar calmo.
Quando
ansiava por tirar a sua vida da rotina, nunca havia imaginado uma coisa como
aquela. Estava aterrorizado e ao mesmo tempo encantado com tudo aquilo.
- Não tenha
medo Albert. – Ela o chamou pelo primeiro nome. Parecia ter lido seu
pensamento. Ou será que estava deixando transparecer o quanto estava
petrificado? Fechou o álbum de fotografias e o colocou lentamente sobre a mesa.
Levantou-se e começou a caminhar em direção a porta. Samantha não fez nenhuma
menção em impedi-lo, apenas observou. Ele chegou a colocar a mão na maçaneta,
mas não conseguiu girá-la. De repente começou a lembrar-se da vida que vinha
levando, da solidão e da mesmice, do dinheiro contado e da falta de
perspectivas com o futuro. Fechou os olhos e inclinou a cabeça até que ela
tocasse a porta. Virou-se e voltou a sentar-se na poltrona em frente à mesa da
executiva.
- Se eu
aceitar trabalhar na sua empresa, eu serei um de vocês, certo?
- Uma vez
dentro, não haverá como voltar atrás.
- Eu…
Aceito. – Samantha
lhe sorriu. Levantou-se e caminhou lentamente até atrás da poltrona onde
Kirkman estava sentado. Apoiou as mãos nos dois ombros de Kirkman, depois
desceu a cabeça até perto de sua orelha e sussurrou na voz mais sensual que ele
tinha ouvido até então.
- Bem vindo,
Albert.
Samantha
cravou os caninos fundo no pescoço de Albert. Ele, porém não sentiu nenhuma
dor. Poucos segundos depois já estava inconsciente.
Estava
contratado.
Plínio Rezende
@blogdorossi
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