Estava perambulando sem rumo
naquele dia quente. Andava absorto em meus pensamentos, rumava como um
morto-vivo pelas caóticas ruas do Centro, não sei o que pensava só sei que
andava em outra realidade.
Mas fui puxado de volta para essa
dimensão quando virei a esquina e sobre incansável turba vi o velho letreiro, o
branco amarelado e o vermelho desbotado, apertei o passo e caminhei em linha
reta na direção do estabelecimento, senti uma enorme excitação a cada passo que
dava, mas essa excitação foi substituída por surpresa ao mesmo tempo em que me
via espantado, no meio da enferrujada porta verde, pregada com durex e escrita
às pressas com um canetão preto próximo do fim, uma folha A4 que dizia “Passo
esse ponto”, perdi um pouco do equilíbrio, um pouco por causa do calor húmido
que me cozinhava por baixo da roupa, mas tenho certeza que grande parte foi por
desgosto de ver aquelas porta abaixada.
Por anos e anos toda vez que
virava aquela esquina, eu vislumbrava de longe o “Sebo do Amadeu”. Lembro-me do
cheiro da poeira acumulada nas prateleiras, o barulho que as paginas amareladas
de seus livros faziam, o sorriso que o velho Amadeu fazia toda vez que via um
rapaz em sua loja. Embora fosse uma velha loja em uma esquina abandonada no Centro
de BH, aquele lugar sempre tornava a ida ao Centro em algo especial, toda vez
que eu atravessava o arco de tijolos velhos sentia na hora a mudança da atmosfera, do caos à
calmaria, era como transpor um portal dimensional que me levava para outra
realidade, realidade de luzes fracas e cantos frescos. Que lugar! Todas as
vezes que pegava um livro sentia o coração palpitar, e perguntava para mim
mesmo, “Para onde esse vai me levar?” e a satisfação. Ah! Que coisa boa! Quando
fechava o livro satisfeito, e o novo dilema “E agora, qual vou ler?”.
Mas todos esses momentos e
sensações foram encerrados por uma folha A4 pregada na porta, todas as tardes
que passava por entre as prateleiras à procura de boas histórias, sem
preocupações ou obrigações, todos esses momentos foram encaixotados e
trancafiados naquela folha A4.
Virei-me e caminhei para longe, não
suportava mais ficar ali, não suportava mais os berros e empurrões com mentes
ignorantes que não percebiam a tragédia que se sucedera naquela esquina,
naquele quente dia. Vi-me andando novamente sem rumo, sem ideias para pensar,
sem preocupações para me atrapalhar, apenas andei, andei para longe daquele
papel ordinário.
Exageradas minhas palavras? Sim,
tão exageradas quanto às bruscas guinadas de nossas vidas, quanto às etapas que
se encerram quanto os objetos e locais que chegam ao fim porque já compraram
seu papel nesse período que chamamos de vida. A realidade é que o Amadeu fechou
porque sua missão já havia sido cumprida, já havia marcado pessoas e criado
gerações, agora é a vez de outra livraria, maior e melhor, sem poeira, sem
tijolos velhos, e talvez até a algumas quadras dali, uma lance novas ideias,
sonhos, mas que acima de tudo, marque a vida de pessoas, como o Sebo do Amadeu
marcou a minha.
Passando para conhecer o blog e já aproveitando para parabenizar pela lindo texto. Continue escrevendo assim que vc leva muito jeito.
ResponderExcluirEstou seguindo seu blog para acompanhar as atualizações e sempre que puder fazer uma visita.
Abraços
http://reaprendendoaartedaleitura.blogspot.com.br/
Excelente texto! Parabéns...
ResponderExcluirAbraços, Isabela
www.universodosleitores.com