Logo chegara minha vez. Precinto
isso, o céu já não é mais azul e a relva verde já não cresce às margens da
estrada. Não sinto medo da morte, mesmo que para mim ela não valha nada. Sinto
apenas tristeza, tristeza de partir vendo minha amada Terra doente como esta e
eu não poder fazer nada.
Ouve um tempo em que ela era
saudável. Minha espécie também era numerosa, ocupávamos metades da superfície
terrena. O ar era mais puro e a terra mais rica. Eu era capaz de sentir a
energia percorrer todos os vasos de meu corpo.
No principio Deus caminhava por
entre nos em longas caminhadas matinais. Elogiava nossa espécie e nos dava
nomes, uma vez ou outra dava-nos frutos suculentos e macios. Era um tempo de
paz. As águas eram cristalinas e as selvas densas numerosas, as montanhas eram
altas e floridas.
Fiquei preocupado no dia que
seres com armaduras de escamas, dentes longos e afiados surgiram vindos das
entranhas da água. Eles atacaram muitas de minhas irmãs, mas com o passar das
eras as feras se adaptaram ao nosso ambiente. Os mais fortes comiam os mais
fracos, os mais fracos nos comiam e absorvíamos todos os seus mortos. Naqueles
tempos eu tinha raízes rasas e uma fina de couraça de madeira, era um jovem com
folhas verdes e longas, e meus frutos ainda eram duros e azedos, era tanta a
alegria que sentia e prazer de dançar ao sopro do vento, juro que gostaria de
ter saído do meu lugar e caminhado por aqueles bosques, mas por ordem do
altíssimo minha espécie era proibida de sair de seu lugar de nascimento. Foi
com o passar de milhões de eras que a natureza aos poucos foi promulgando as
ordens de seu equilíbrio, e quando estava tudo pronto todos nós vivemos em paz.
Animais raquíticos se abrigavam em meus galhos e pássaros nos traziam o
saboroso néctar.
Então veio o longo inverno. A
neve alva cobriu a superfície do globo, as nuvens se adensaram e cobriram a
terra com uma sombria escuridão. Por séculos o sol não brilhou, das grandes
feras as mais fracas morreram, sem ter mais como se alimentar os seres mais
poderosos se entregavam à própria morte, com esses o tempo foi gentil, protegeu
a todos os envolvendo em mansoléis de cristal e varias camadas de rocha.
Assisti todas essas mortes sem poder fazer nada, a falta de sol me impedia de
pensar, no meio de tão cruel inverno éramos apenas troncos de madeira. E assim
acabou a era dos poderosos repteis, restando apenas seus netos, seres tortos e
rastejantes.
O sol voltou, assim como toda a
vida na Terra, minhas raízes já estavam fundas o suficiente para saber o quão
grave e doloroso fora o processo de renovação que o planeta se propôs a sofrer,
minha casca agora era profunda e dura o suficiente para sentira os ventos da
mudança. Das cavernas onde os poderosos dinossauros foram enterrados, surgiu um
estranho animal. Andava sobre duas patas, não tinha garras ou presas e seu
corpo não possuía pouco pelo. Aquele era o Homo Sapiens, o único animal
abençoado com o dom da sabedoria. Com esses olhos velhos e falhos que possuo
agora vi os humanos vagarem junto com o vento e as estações do ano. Os vi
domando animais e plantando cevada.
Seus primeiros anos foram
abençoados. Suas crianças subiam em meus galhos e comiam meus frutos, que eu
oferecia com muita honra e orgulho, afinal fora essa a incumbência dada a mim
pelo altíssimo. Suas fêmeas esfregavam seus seios rígidos e volumosos em minha
casca, um de seus xamãs me disse que acreditavam que aquilo poderia
fertiliza-las para serem agraciadas com um filho. Vi Deuses nascerem e impérios
caírem.
Mas a doença do mundo começou
quando o homem descobriu o poder do ouro, por ele matou o que foi plantado e
queimado o que foi erguido. Guerras foram travadas, acordos feitos e desfeitos,
casamentos realizados e vendetas executadas. Por causa do brilho do ouro o
homem começou a matar minha espécie. Lanças, escudos, arcos e flechas foram
feitos para semear a violência e a ganancia assim como catapultas, bestas e
etc.
Quanto mais o ser humano evoluía
mais destrutível ficava, vi varias de minha espécie deixar de existir, assim
como varias outros animais. Senti saudades dos tempos em que Deus caminhava
entre nós, dos tempos em nós, às montanhas e as águas dominávamos o planeta, da
relva que como um enorme tapete verde coloria os campos e revestias as
florestas. Agora o homem enchia de enormes prédios feitos de rocha, e animais
sanguinários cobertos de aço cavalgavam por entre os campos Essa época foi tão
terrível que preferimos ser apenas arvores, mergulhamos tão profundamente em
nossos pensamentos que viramos apenas folhas mortas e madeiras.
Eu acordei novamente quando ouvi
um enorme estrondo vindo do oriente. O mundo estava sendo comandado pelo caos.
Minha tão querida selva cheia de animais pastando e riachos cristalinos foram
substituídos por enormes arvores de concreto e animais feitos de aço.
Minhas irmãs haviam sumido, já
não éramos tão numerosas, na verdade a cada dia que passa nosso numero diminui
cada vez mais. Em breve deixaremos de existir. Por isso eu sei! Logo chegará a
minha vez.
Plínio Rezende
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