quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Bedford, Connecticut – Verão de 1985.


apresenta Bedford, de Daniel Rossi:
O Centro Médico do Marshall College vivia quase sempre lotado. Ele oferecia atendimento em várias especialidades, se destacando na área de tratamentos pediátricos e neurológicos, tendo se tornado uma referência em tratamentos pioneiros de várias doenças, como por exemplo, Alzheimer. Ao contrário do que acontecia quase sempre, a sala de espera, no saguão principal, não estava cheio. Duas mães, uma senhora obesa de origem italiana e outra de aparência oriental conversavam enquanto esperavam atendimento para seus filhos, que fariam testes de rotina. As duas crianças corriam para lá e para cá entre as poltronas da sala de espera, o italianinho com um boneco do Batman nas mãos e o oriental com um do Homem-Aranha.

Um carro parou bem próximo da entrada principal, e um senhor, aparentando por volta de 80 anos, desceu. Com a ajuda de sua bengala caminhou os três metros que separavam o meio fio da entrada do saguão do hospital. Parecia um senhor normal, e as únicas coisas que se destacavam nele era que ele usava um chapéu surrado, que aparentava ter a mesma idade que ele e que seu olho direito era coberto por um tapa-olho. Antes de entrar no hospital, virou-se uma vez e acenou para o homem que dirigia o carro, provavelmente seu filho. Entrou na sala de espera e a atendente lhe fez um pequeno cumprimento com a cabeça, que ele retribuiu. Já estivera ali várias vezes, e aquela seria apenas mais uma consulta de rotina. Escolheu uma poltrona e sentou-se.

Os dois meninos corriam e brincavam entre as poltronas enquanto as mães, muito envolvidas na troca de fofocas, mal os notavam. A atendente já havia lançados olhares ameaçadores para os dois, mas estes nem ligaram e continuaram com a sua bagunça. No meio da brincadeira, o boneco do Homem Aranha acabou rolando pelo chão e batendo no pé do senhor. Ele se abaixou na cadeira com certa dificuldade, mas recolheu o brinquedo. Quando os dois meninos pararam em frente dele. Ele sorriu e devolveu-o.

- Qual o seu nome? – perguntou ao menino asiático.

- George Wong, senhor… – respondeu o menino, meio que assustado a princípio com o velho de tapa-olho. Mas o sorriso do senhor era tranquilizador, e o menino achou a figura interessante, como um personagem de TV.

- E eu me chamo Luca! – o pequeno ítalo-americano já se intrometeu na conversa.

O velho senhor abriu um pouco mais o sorriso. Comentou, tentando brincar, que eles deveriam gostar muito de super-heróis. Pela intensidade da bagunça que os dois estavam fazendo, eles deveriam “amar” super-heróis. O velho senhor ergueu um pouco a cabeça, deu um longo suspiro, e começou a conversar com os meninos, que pareciam meio surpresos pelo senhor ter puxado conversa com eles.

- Quando eu era jovem nós não tínhamos heróis como estes – apontou o indicador para os bonequinhos nas mãos dos meninos. – Nossos heróis eram exploradores e cientistas. Lembro-me das aventuras deste jovem. Ele resgatava tesouros pelos quatro cantos do mundo. Acho que ele teve um amigo certa vez parecido com você George.

- Ele enfrentava monstros do espaço e super-vilões? – o pequeno italianinho estava empolgado, mas o velho senhor não sabia se era por causa de sua história ou porque ele era o tempo todo assim.

- Ah, os vilões naquela época eram outros meu caro, e eles foram mudando com o passar do tempo… Mas eu acredito que eram todos deste mundo… Na verdade, acho que possa até ter havido algo de sobrenatural nas aventuras dele… Minha memória já não é mais a mesma hoje em dia, sabe. – O velho senhor tirou um lenço do bolso e limpou os óculos.

- Mas para ser legal, um herói tem que enfrentar monstros… tem que ter explosões, tiroteios. Isso de achar tesouros é coisa de pirata! – o pequeno italiano arfava enquanto falava.

- É, até parece os filmes preto e branco que o meu tio Stephen assiste! - o outro retrucou.

Percebendo que sua conversa não estava impressionando muito os meninos, o senhor resolveu que era melhor deixá-los voltar a sua brincadeira, e se despediu deles com um afago na cabeça de cada um. As mães, envolvidas em seu próprio universo de maledicência alheia, nem perceberam a breve conversa entre eles. Enquanto olhava os dois meninos se afastando, sussurrou baixinho, entre dentes:

- Como era mesmo o nome deste herói?

- Dr. Jones, a Dra. Sullivan vai atendê-lo agora.

A atendente viera chamá-lo para a consulta que ele tinha com a neurologista. O filho, que chegara a pouco e estava estacionando o carro, observara a conversa do pai com os meninos, e parecia ter os olhos marejados, que enxugou rapidamente com um lenço, reclamando alguma coisa sobre o calor. O senhor fitou a atendente como que se tentasse buscar do fundo da mente o seu nome.

- Eu sou a Sally, Dr. Jones…

- Sally é claro. – Fingiu lembrar-se. Tomou o braço da moça e seguiram pelo corredor em direção ao consultório.

Ele nunca mais lembrou o nome do herói de sua juventude.




Daniel Rossi

Nenhum comentário:

Postar um comentário

leia tambem